
Por Onde Anda o Cinema?*
Íntegra de entrevista concedida, em outubro de 2008, ao jornal cearense O POVO
Jornal O Povo - Márcio Câmara começa tocando no termo "cinema cearense". Você considera este termo importante? É possível definir o que vem a ser cinema cearense?
Duarte Dias - Sim, considero o termo importante, até porque o cinema cearense já é um “senhor” de 84 anos de idade e, como tudo aquilo que tem significado e lastro histórico, merece cuidados e respeito. Esse cinema - que nasceu quando Adhemar Albuquerque exibiu, em 15 de outubro de 1924, no Cinema Moderno, seu primeiro filme, Temporada Maranhense de Foot-Ball no Ceará - vem sendo produzido e exibido por mãos e mentes de várias gerações, chegando, não sem atravessar períodos de extrema dificuldade, aos nossos dias com uma vitalidade e uma multiplicidade de olhares que impõe, num curto prazo, a construção de novos mecanismos de cooperação entre o poder público, o poder privado e os demais agentes atuantes do setor.
Quanto a definir o que vem a ser um cinema cearense, creio que a dificuldade inicial sobre o que o caracteriza passa pelo nosso grau de imersão no processo. É difícil ter um olhar crítico, externo, daquilo que realizamos, principalmente tratando-se de arte. Por isso fazemos pré-estréias, consultamos amigos e colhemos o máximo de informações a respeito do que o outro pensa da obra por nós realizada. Temos dificuldades em “olhar de fora”. Mas, no meu entendimento, o cinema cearense possui, sim, suas peculiaridades, sua “cara”. Engraçado... Isso me faz lembrar de uma crônica de Gustavo Barroso, em que ele narra a história que ouviu, na infância, de um veterano da guerra do Paraguai. Dizia o velho soldado que “Identificava a origem dos seus companheiros de dor pelos santos que invocavam, gemendo.” Quando algum chamava por “Nossa Senhora de Nazaré”, tratava-se de um paraense. Se clamava “Meu Senhor do Bomfim!”, era baiano. E se bradava “Valhei-me, São Francisco das Chagas de Canindé!”, só podia ser cearense.
Dessa forma, ao retratar, por intermédio da sensibilidade dos profissionais locais, aspectos e particularidades sócio-econômicas e culturais inerentes ao povo do Ceará – mesmo buscando expressar, em um plano conceitual mais amplo, valores universais – os filmes aqui produzidos possuem características intrínsecas que os distinguem das demais produções realizadas no Brasil, como ostentaram, em outras áreas, cearenses como José de Alencar, Leonardo Mota, Ednardo, Antonio Bandeira, Humberto Teixeira, Raquel de Queirós e o próprio Gustavo Barroso.
Jornal O POVO - Márcio Câmara fala que existem apenas duas vertentes de produção no cinema cearense: o institucional que "se vende" para realizar Bezerra de Menezes, ou filmes experimentais que ele denomina "paradão". Existiria um meio termo entre isso?
Duarte Dias - Não concordo com essa polarização. O cinema cearense, na minha opinião, é múltiplo e rico em olhares. Na ficção, por exemplo – e aqui não farei distinção entre filmes curtos ou longos, mas entre gêneros e estéticas - O Astista contra o cabra do mal, do Halder Gomes, é bem diferente do O Grão, do Petrus Cariry, que por sua vez se distingue do Amor de Palhaço, do Armando Praça, do Vida Maria, do Márcio Ramos e do próprio Bezerra de Menezes, do Glauber Filho e do Joe Pimentel. Nos documentários acontece a mesma coisa. Sábado à noite, do Ivo Lopes, trabalha em uma vertente diferente do Capistrano no Quilo, do Firmino Holanda, que por sua vez não se coaduna com Canoa Veloz do Tibico Brasil ou com o Rua da Escadinha, do próprio Márcio Câmara. Quando adentramos na seara do experimental, então, o leque se torna bem mais diversificado, inclusive com as produções de artistas que não necessariamente atuam no setor audiovisual, mas se utilizam desta ferramenta para ampliar as possibilidades estéticas e conceituais dos seus trabalhos.
Até quando o objeto de investigação é o mesmo, a sensibilidade e criatividade dos cineastas cearenses se traduz em obras díspares, como é o caso dos documentários A Padaria Espiritual, do Felipe Barroso, e O Espírito d´O Pão, do Marcley de Aquino, que versam sobre o célebre grupo literário cearense que fez história no final do século XIX.
Jornal O POVO - Como você avalia a projeção do Bezerra de Menezes nacionalmente e para o cinema do Ceará, eleito como o melhor filme pela ACCV?
Duarte Dias - O Troféu ACCV foi instituído pela Associação Cearense de Cinema e Vídeo como uma forma de estimular e prestigiar – no Dia do Audiovisual Cearense, 15 de outubro - o talento dos cineastas cearenses. Tivemos essa iniciativa porque sentimos que faltava, em nosso Estado, um momento de congraçamento da classe e o devido estímulo e reconhecimento àqueles que mais se destacaram e contribuíram, com seus filmes, para a visibilidade e o desenvolvimento do setor.
Nesse primeiro ano, na categoria curta-metragem, o escolhido foi Vida Maria, do Márcio Ramos, filme reconhecido tanto pela crítica, quanto pelo público de diversos festivais do Brasil e do exterior.
No que se refere a longa-metragem, o escolhido foi Bezerra de Menezes, do Glauber Filho e do Joe Pimentel. Essa escolha da ACCV reconhece tanto o fato de Bezerra de Menezes ser a primeira produção genuinamente local a obter um sucesso incontestável de público e renda no cinema nacional, ultrapassando a casa dos 400 mil espectadores, quanto ao aspecto da produção exemplificar, entre nós (ainda que de forma incipiente), a viabilidade de um novo modelo econômico de produção, modelo esse que não se baseia apenas no aporte de dinheiro público, mas em toda uma estratégia de ação que incluiu apurado plano de mídia, pesquisa de público e mercado, mecanismos de distribuição e comercialização e , principalmente, parcerias e investimentos privados.
No meu entendimento – e aqui falo não como diretor-presidente da ACCV, mas como artista - a crítica que tenta classificar Bezerra de Menezes como um filme menor baseado no argumento de que o mesmo foi realizado por uma dupla de diretores contratados e visou, desde o início, um público específico, me parece, além de injusta, demasiadamente ingênua, pois demonstra ignorância quanto as modernas práticas de produção da indústria audiovisual mundial, que trabalha com modelos de negócios diferenciados e com segmentos culturais específicos, identificando tanto o público, quanto a plataforma de mídia ideal para atingir esse público. Até o Irã, cujo cinema é cultuado por alguns como um exemplo a ser seguido (por acreditarem tratar-se de um cinema puramente de autor), baseia sua política de incentivo público nessas premissas. Pergunto: qual o autor que não quer encontrar o seu público?
Jornal O Povo - Márcio Câmara começa tocando no termo "cinema cearense". Você considera este termo importante? É possível definir o que vem a ser cinema cearense?
Duarte Dias - Sim, considero o termo importante, até porque o cinema cearense já é um “senhor” de 84 anos de idade e, como tudo aquilo que tem significado e lastro histórico, merece cuidados e respeito. Esse cinema - que nasceu quando Adhemar Albuquerque exibiu, em 15 de outubro de 1924, no Cinema Moderno, seu primeiro filme, Temporada Maranhense de Foot-Ball no Ceará - vem sendo produzido e exibido por mãos e mentes de várias gerações, chegando, não sem atravessar períodos de extrema dificuldade, aos nossos dias com uma vitalidade e uma multiplicidade de olhares que impõe, num curto prazo, a construção de novos mecanismos de cooperação entre o poder público, o poder privado e os demais agentes atuantes do setor.
Quanto a definir o que vem a ser um cinema cearense, creio que a dificuldade inicial sobre o que o caracteriza passa pelo nosso grau de imersão no processo. É difícil ter um olhar crítico, externo, daquilo que realizamos, principalmente tratando-se de arte. Por isso fazemos pré-estréias, consultamos amigos e colhemos o máximo de informações a respeito do que o outro pensa da obra por nós realizada. Temos dificuldades em “olhar de fora”. Mas, no meu entendimento, o cinema cearense possui, sim, suas peculiaridades, sua “cara”. Engraçado... Isso me faz lembrar de uma crônica de Gustavo Barroso, em que ele narra a história que ouviu, na infância, de um veterano da guerra do Paraguai. Dizia o velho soldado que “Identificava a origem dos seus companheiros de dor pelos santos que invocavam, gemendo.” Quando algum chamava por “Nossa Senhora de Nazaré”, tratava-se de um paraense. Se clamava “Meu Senhor do Bomfim!”, era baiano. E se bradava “Valhei-me, São Francisco das Chagas de Canindé!”, só podia ser cearense.
Dessa forma, ao retratar, por intermédio da sensibilidade dos profissionais locais, aspectos e particularidades sócio-econômicas e culturais inerentes ao povo do Ceará – mesmo buscando expressar, em um plano conceitual mais amplo, valores universais – os filmes aqui produzidos possuem características intrínsecas que os distinguem das demais produções realizadas no Brasil, como ostentaram, em outras áreas, cearenses como José de Alencar, Leonardo Mota, Ednardo, Antonio Bandeira, Humberto Teixeira, Raquel de Queirós e o próprio Gustavo Barroso.
Jornal O POVO - Márcio Câmara fala que existem apenas duas vertentes de produção no cinema cearense: o institucional que "se vende" para realizar Bezerra de Menezes, ou filmes experimentais que ele denomina "paradão". Existiria um meio termo entre isso?
Duarte Dias - Não concordo com essa polarização. O cinema cearense, na minha opinião, é múltiplo e rico em olhares. Na ficção, por exemplo – e aqui não farei distinção entre filmes curtos ou longos, mas entre gêneros e estéticas - O Astista contra o cabra do mal, do Halder Gomes, é bem diferente do O Grão, do Petrus Cariry, que por sua vez se distingue do Amor de Palhaço, do Armando Praça, do Vida Maria, do Márcio Ramos e do próprio Bezerra de Menezes, do Glauber Filho e do Joe Pimentel. Nos documentários acontece a mesma coisa. Sábado à noite, do Ivo Lopes, trabalha em uma vertente diferente do Capistrano no Quilo, do Firmino Holanda, que por sua vez não se coaduna com Canoa Veloz do Tibico Brasil ou com o Rua da Escadinha, do próprio Márcio Câmara. Quando adentramos na seara do experimental, então, o leque se torna bem mais diversificado, inclusive com as produções de artistas que não necessariamente atuam no setor audiovisual, mas se utilizam desta ferramenta para ampliar as possibilidades estéticas e conceituais dos seus trabalhos.
Até quando o objeto de investigação é o mesmo, a sensibilidade e criatividade dos cineastas cearenses se traduz em obras díspares, como é o caso dos documentários A Padaria Espiritual, do Felipe Barroso, e O Espírito d´O Pão, do Marcley de Aquino, que versam sobre o célebre grupo literário cearense que fez história no final do século XIX.
Jornal O POVO - Como você avalia a projeção do Bezerra de Menezes nacionalmente e para o cinema do Ceará, eleito como o melhor filme pela ACCV?
Duarte Dias - O Troféu ACCV foi instituído pela Associação Cearense de Cinema e Vídeo como uma forma de estimular e prestigiar – no Dia do Audiovisual Cearense, 15 de outubro - o talento dos cineastas cearenses. Tivemos essa iniciativa porque sentimos que faltava, em nosso Estado, um momento de congraçamento da classe e o devido estímulo e reconhecimento àqueles que mais se destacaram e contribuíram, com seus filmes, para a visibilidade e o desenvolvimento do setor.
Nesse primeiro ano, na categoria curta-metragem, o escolhido foi Vida Maria, do Márcio Ramos, filme reconhecido tanto pela crítica, quanto pelo público de diversos festivais do Brasil e do exterior.
No que se refere a longa-metragem, o escolhido foi Bezerra de Menezes, do Glauber Filho e do Joe Pimentel. Essa escolha da ACCV reconhece tanto o fato de Bezerra de Menezes ser a primeira produção genuinamente local a obter um sucesso incontestável de público e renda no cinema nacional, ultrapassando a casa dos 400 mil espectadores, quanto ao aspecto da produção exemplificar, entre nós (ainda que de forma incipiente), a viabilidade de um novo modelo econômico de produção, modelo esse que não se baseia apenas no aporte de dinheiro público, mas em toda uma estratégia de ação que incluiu apurado plano de mídia, pesquisa de público e mercado, mecanismos de distribuição e comercialização e , principalmente, parcerias e investimentos privados.
No meu entendimento – e aqui falo não como diretor-presidente da ACCV, mas como artista - a crítica que tenta classificar Bezerra de Menezes como um filme menor baseado no argumento de que o mesmo foi realizado por uma dupla de diretores contratados e visou, desde o início, um público específico, me parece, além de injusta, demasiadamente ingênua, pois demonstra ignorância quanto as modernas práticas de produção da indústria audiovisual mundial, que trabalha com modelos de negócios diferenciados e com segmentos culturais específicos, identificando tanto o público, quanto a plataforma de mídia ideal para atingir esse público. Até o Irã, cujo cinema é cultuado por alguns como um exemplo a ser seguido (por acreditarem tratar-se de um cinema puramente de autor), baseia sua política de incentivo público nessas premissas. Pergunto: qual o autor que não quer encontrar o seu público?
Acredito que, se cabem críticas a Bezerra de Menezes, os argumentos até agora tornados públicos não as sustentam, pois vejo que os mesmos possuem sua raizes numa premissa falsa, que é a que estabelece uma ligação direta entre o valor artístico de uma obra e a sua origem autoral. Essa é uma visão que, no campo cinematográfico, ganhou força através do ideário europeu que nos foi apregoado nos últimos 50 anos e que sofreu, durante o período da guerra fria, profundas interferências ideológicas. Inclusive, tal “sacralização do autor” é considerada, por grande parte dos atuais analistas europeus, como uma das principais causas da não sustentabilidade do setor cinematográfico no velho continente, já que os filmes - demasiadamente pessoais - não conseguem refletir aspirações coletivas e, com isso, estabelecer uma relação duradoura de cumplicidade com o público.
Ademais, tal conceito – ou preconceito – relativo a depreciação de uma declarada “cultura de encomenda” esbarra no valor inquestionável de obras encomendadas a autores como Mozart, Michelangelo, Niemeyer, Shakespeare, Fídias, etc. De fato, o juízo acerca da relevância ou não de um filme, em última instância, é simplesmente de quem o assiste, não importando o fato de o seu diretor ter sido ou não contratado para fazê-lo, como foi o caso de Roman Polanski em Chinatown.
Jornal O POVO - Márcio Câmara explicita sobre a importância da formação no cinema cearense. Como você avalia as políticas públicas de audiovisual e as políticas de formação para o realizador visual?
Duarte Dias - O momento atual tem se mostrado bastante estimulante no que se refere ao surgimento de novas estruturas de formação, como é o caso da Escola de Audiovisual da Vila das Artes e o curso superior de Audiovisual e Novas Mídias, da Unifor. A UFC também anuncia a criação, para o ano de 2009, de um curso superior de cinema, o que demonstra a existência de uma forte demanda em Fortaleza. Esses fatos levam a crer que, num panorama de médio e longo prazo, caso haja a devida sensibilização e ação de todos os envolvidos, outros equipamentos, como a UECE e o CEFET, também poderão proporcionar a formação de profissionais voltados para o setor audiovisual, colocando, ao alcance daqueles que residem no interior do Estado, as mesmas possibilidades de acesso que hoje se apresentam aos que residem em Fortaleza.
No entanto, na contramão desse otimismo que se instala pelo surgimento de novas unidades de formação, é claramente percebida, como assinalou o Márcio Câmara, uma retração dos investimentos públicos no setor, principalmente no que se refere a produção. Porém, credito boa parte dessa contração ao fato de que a atividade audiovisual tem, em nosso Estado, a tradição temerária de acontecer por intermédio da ação direta e restrita de uma única fonte - no caso, a Secretaria da Cultura – que, por razões alegadamente orçamentárias, não consegue dar vazão as demandas do setor, que necessita de investimentos elevados, crescentes e contínuos.
Creio que cabe – principalmente entre os artistas, técnicos e demais agentes do setor – a compreensão do audiovisual como uma atividade múltipla que atua e envolve, direta e transversalmente, diversos segmentos econômicos e sociais, como a indústria, o comércio, o turismo, a educação e, claro, a cultura. E só uma ação conjunta, com a formulação de uma série de diretrizes voltadas à viabilidade e sustentabilidade da nossa atividade, sem favoritismo para esse ou aquele grupo, esse ou aquele indivíduo, é que poderá alterar nossa realidade. Sendo mais direto: acredito que só por intermédio da elaboração de um plano diretor amplamente construído e debatido é que teremos condições de propor e reivindicar, junto ao poder público constituído, uma Política de Estado para o audiovisual, política essa que passa pela inclusão da iniciativa privada como um poderoso agente de fomento.
O fato é que o Brasil – e mais especificamente, o Ceará - não pode ficar de fora do crescente mercado audiovisual que, como todos sabem, não se restringe apenas aos filmes, muito menos aos cinemas. A cada dia surgem novos meios de propagação de conteúdo e novos modelos de produção e negócios. Vivemos um momento revolucionário e todos os que têm um nível básico de informação sabem que o audiovisual, além de proporcionar lazer, trabalho e renda, é, hoje, uma ferramenta fundamental no processo de reflexão, educação e aprimoramento das sociedades, principalmente uma sociedade como a nossa, onde a multiplicidade cultural, corroída e corrompida pelas profundas diferenças sociais, torna ainda mais difícil a elaboração e construção de um projeto coletivo e democrático.
*Reportagem do Jornal O POVO (http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/831573.html).
Ademais, tal conceito – ou preconceito – relativo a depreciação de uma declarada “cultura de encomenda” esbarra no valor inquestionável de obras encomendadas a autores como Mozart, Michelangelo, Niemeyer, Shakespeare, Fídias, etc. De fato, o juízo acerca da relevância ou não de um filme, em última instância, é simplesmente de quem o assiste, não importando o fato de o seu diretor ter sido ou não contratado para fazê-lo, como foi o caso de Roman Polanski em Chinatown.
Jornal O POVO - Márcio Câmara explicita sobre a importância da formação no cinema cearense. Como você avalia as políticas públicas de audiovisual e as políticas de formação para o realizador visual?
Duarte Dias - O momento atual tem se mostrado bastante estimulante no que se refere ao surgimento de novas estruturas de formação, como é o caso da Escola de Audiovisual da Vila das Artes e o curso superior de Audiovisual e Novas Mídias, da Unifor. A UFC também anuncia a criação, para o ano de 2009, de um curso superior de cinema, o que demonstra a existência de uma forte demanda em Fortaleza. Esses fatos levam a crer que, num panorama de médio e longo prazo, caso haja a devida sensibilização e ação de todos os envolvidos, outros equipamentos, como a UECE e o CEFET, também poderão proporcionar a formação de profissionais voltados para o setor audiovisual, colocando, ao alcance daqueles que residem no interior do Estado, as mesmas possibilidades de acesso que hoje se apresentam aos que residem em Fortaleza.
No entanto, na contramão desse otimismo que se instala pelo surgimento de novas unidades de formação, é claramente percebida, como assinalou o Márcio Câmara, uma retração dos investimentos públicos no setor, principalmente no que se refere a produção. Porém, credito boa parte dessa contração ao fato de que a atividade audiovisual tem, em nosso Estado, a tradição temerária de acontecer por intermédio da ação direta e restrita de uma única fonte - no caso, a Secretaria da Cultura – que, por razões alegadamente orçamentárias, não consegue dar vazão as demandas do setor, que necessita de investimentos elevados, crescentes e contínuos.
Creio que cabe – principalmente entre os artistas, técnicos e demais agentes do setor – a compreensão do audiovisual como uma atividade múltipla que atua e envolve, direta e transversalmente, diversos segmentos econômicos e sociais, como a indústria, o comércio, o turismo, a educação e, claro, a cultura. E só uma ação conjunta, com a formulação de uma série de diretrizes voltadas à viabilidade e sustentabilidade da nossa atividade, sem favoritismo para esse ou aquele grupo, esse ou aquele indivíduo, é que poderá alterar nossa realidade. Sendo mais direto: acredito que só por intermédio da elaboração de um plano diretor amplamente construído e debatido é que teremos condições de propor e reivindicar, junto ao poder público constituído, uma Política de Estado para o audiovisual, política essa que passa pela inclusão da iniciativa privada como um poderoso agente de fomento.
O fato é que o Brasil – e mais especificamente, o Ceará - não pode ficar de fora do crescente mercado audiovisual que, como todos sabem, não se restringe apenas aos filmes, muito menos aos cinemas. A cada dia surgem novos meios de propagação de conteúdo e novos modelos de produção e negócios. Vivemos um momento revolucionário e todos os que têm um nível básico de informação sabem que o audiovisual, além de proporcionar lazer, trabalho e renda, é, hoje, uma ferramenta fundamental no processo de reflexão, educação e aprimoramento das sociedades, principalmente uma sociedade como a nossa, onde a multiplicidade cultural, corroída e corrompida pelas profundas diferenças sociais, torna ainda mais difícil a elaboração e construção de um projeto coletivo e democrático.
*Reportagem do Jornal O POVO (http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/831573.html).
8 comentários:
Entrevista lúcida e esclarecedora. Eis a importância de um blogue, onde expomos nossos pensamentos, sem o filtro de terceiros. E quem sabe pela net não tenhamos o cinema cearense do porvir!
Pois é, Marcley. Você deve ter visto, pelo link, o que de fato foi publicado dessa entrevista. Edição braba! Mas essa é uma atitude natural e corriqueira na mídia escrita, falada e televisionada (como diria o Coronel Odorico).
Antídoto? "... a importância de se ter um blogue, onde expomos nossos pensamentos, sem o filtro de terceiros.", como você bem escreveu.
Abraço.
Entrevista belíssima amigo Duarte! Concordo com as palvras do Marcley! E a propósito adorei sua postura no debate no "Cena Pública"! Falou bonito e como macho! Rerere ante aos odres velhos do cinema cearense! Parabens amigo.
Que bom que você concorda,Rico! Nessas ocasiões (Cena Pública)chego a pensar que estou falando sozinho, dada a orquestração... Mas é isso. Não basta ter a revolução tecnológica ao nosso dispor, facilitando-nos a criação. Precisamos também de uma revolução de idéias e métodos, senão nossa arte vai ficar estagnada, fora de compasso, paradoxalmente ultrapassada.
Grande abraço!
Como já foi dito pelo os colegas acima, uma entrevista centrada.
As suas opiniões não ferem a classe!Na verdade enche de orgulho ,pelo menos a mim, ter como representante uma pessoa correta. Fico contente de ver o Audiovisual cada vez mais respeitado e consciente dos seus defeitos e qualidades!
Como uma representante do otimismo, vejo um futuro bem mais florido para todos nós que fazemos arte nesse pedacinho de mundo!
Wanessa, muito obrigado pelas suas considerações.
Você é uma pessoa duplamente privilegiada: primeiro, por ser uma artista. E segundo (e talvez mais importante) por encarar a vida com otimismo.
Permaneça assim. Não pelo público e pelos próximos (que certamente continuarão agradecidos), mas por você que, como todo legítimo artista, procura, mesmo que seja através da mais áspera crítica estampada em sua arte, melhorar as condições do mundo em que vivemos.
Grande abraço e vamos em frente!
Nota de esclarecimento aos leitores:
Para que não pensem que existe algum tipo de censura quanto aos comentários feitos, esclareço que a mensagem que consta como "excluída" era um spam. E que daqui para frente, a fim de evitar a reedição essa explicação, os "spams" permanecerão postados.
Atenciosamente,
Duarte Dias
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