O Judeu*

De Duarte Dias

Barulho, só o do motor. Ele gosta.

Pegara o ônibus fazia uns quinze minutos. Além dele, o motorista e o trocador. A amada ficara em casa, em meio à saudade. Ele seguira seu rumo, como fazia toda noite.

Naquele horário a viagem costumava ser tranqüila, sem paradas. Não é o caso.

Alguém sobe. Ele não vê. Absorto, sequer percebe a falta de movimento.

Um homem senta ao seu lado. Ele retorna. E estranha. "Tanta poltrona vazia... É bom ficar atento", pensa.

O ônibus retoma a viagem.

Escuta uma voz. “Você é de Fortaleza?” Matuta um pouco. “Sou”, responde.

Sente vontade de trocar de lugar.

“Tem religião?” “Sou católico.” “Sei...” Pausa. Não entende o porquê, mas arrisca um novo olhar na direção da voz. Repara melhor. É um homem jovem. Talvez tão jovem quanto ele, que recolhe o olhar.

“Sou judeu”, diz o homem.

Ele não entende. “Como?” “Sou judeu.”

Há pesar naquela voz.

Silêncio.

Cabisbaixo, o homem levanta-se e puxa o cordão do sinal. O ônibus para. O homem desce.

Não há despedida.

E um pesar que ele não consegue compreender o acompanha durante o resto da viagem.


*Conto do livro "Ele, o Outro", de Duarte Dias - Todos os direitos reservados

2 comentários:

Marcley de Aquino disse...

Cansados de ler tanta prosa egocêntica e aborrecível por aí, eis que, felizmente, encontramos um narrador preciso! Há nesse conto uma profundidade silenciosa...

Duarte Dias disse...

Marcley, obrigado pelas palavras, cujo teor serve de estímulo.

Particularmente, gostei muito do resultado final desse conto.

Simples e direto. Sem gorduras.

Os demais contos do livro "Ele, o outro", seguiram essas mesmas prerrogativas. Espero que - quando do lançamento do livro - os aprecie de igual forma.

Abraço!