Tarkovski: Cinema, Literatura e Música

"O cinema é a única forma de arte em que o autor pode se considerar como o criador de uma realidade não convencional, literalmente, o criador do seu próprio mundo. No cinema, a tendência inata do homem para a auto-afirmação encontra um dos seus meios de realização mais completos e diretos. Um filme é uma realidade emocional, e é assim que a platéia o recebe - como uma segunda realidade.

Por esse motivo a concepção amplamente difundida do cinema como um sistema de signos parece-me profunda e essencialmente errada. Percebo uma premissa falsa na própria base da abordagem estruturalista.

Estamos falando sobre os diferentes tipos de relação com a realidade sobre os quais cada forma de arte fundamenta e desenvolve seu sistema específico de convenções. Neste aspecto, coloco o cinema e a música entre as artes imediatas, já que não precisam de linguagem mediadora. Este fator determinante fundamental sublinha o parantesco entre música e cinema e, pelo mesmo motivo, afasta o cinema da literatura, onde tudo é expresso através da linguagem, de um sistema de signos, de hieroglifos. A obra literária só pode ser recebida através de símbolos, de conceitos - pois é isso que as palavras são; mas o cinema, como a música, permite uma percepção inteiramente imediata, emocional e sensível da obra."

Trecho do livro "Esculpir o Tempo", de Andrei Tarkovski - Editora Martins Fontes

Um comentário:

Nirton Venancio disse...

Sempre tento conseguir num filme o silêncio que ele consegue...