Três por Quatro*

De Duarte Dias

- O senhor tira três por quatro?

- Não senhora. Sou do jornal.

- Mas num tira três por quatro?

A boca mole da velha dança no rosto seco.

Ele não pode perder aquele tempo.

- Senhora, me desculpe, preciso tirar uma foto da morta.

- A Brigite? Então se adiante, meu filho, que já chamaram o rabecão.

- Dê licença.

Abre caminho por entre as mulheres e as crianças.

Encontra Brigite esparramada na cama.

"Tomou Aldicarbe", dissera o médico, recostado na ambulância. Nada puderam fazer.

-Chumbinho! – lhe diz o policial, no interior do quarto.

Os flashes da câmera explodem sobre Brigite. Duas, cinco, doze vezes. Vários ângulos. Uma daquelas fotos há de agradar ao editor. O policial observa-o.

- O senhor é da televisão?

- Não. Sou do jornal.

- Mas vem reportagem, num vem?

- Deve vir.

O policial alisa o bigode. Está ansioso. Ajeita a gola da farda.

- Tá quente, né?

Ele concorda com o policial e vira-se para Brigite, que o encara com os olhos esbugalhados.

- Mais um viado que se mata. Já é o terceiro essa semana. Antes de ontem foi no Passeio Público. Na terça, lá na Princesa Isabel. Tudo do mesmo jeito. Chumbinho. Parece que virou moda.

Ele finge não escutar o comentário do policial. Acende um cigarro. A fumaça se espalha pelo quarto.

Só então percebe o barulho das pessoas que vazam pela porta estreita. E a alegria das crianças ao redor da cama. Uma delas cai sobre as pernas finas de Brigite. O policial a retira com brutalidade.

Na parede mofada, uma foto de Madonna sorri para todos.

Faz calor. Sente o cheiro de urina. Melhor sair.

Já no corredor estreito, dá passagem para a equipe do rabecão. Ouve a algazarra atrás de si.

Chega à calçada. Sol a pino. Precisa beber algo. Alguém puxa sua camisa.

- O senhor tira três por quatro?

A boca mole da velha dança no rosto seco.

Ele não pode perder aquele tempo.


*Conto do livro "Ele, o Outro", de Duarte Dias - Todos os direitos reservados

Nenhum comentário: